"Aqueles que passam por nós,não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si,levam um pouco de nós".

"Antoine de Saint-Exupery"



terça-feira, 17 de maio de 2011

Uma Habilidade Social-Autor: Alberto S. Grimm

"Parece que os elogios se transformaram no bem mais desejado pelo homem..."


Os elogios era uma forma das mais eficazes para aproximar pessoas, especialmente quando o tamanho dessa aproximação, dependia da qualidade do agrado, quer dizer, da qualidade do elogio. Assim, elogiar a aparência da outra pessoa já era um bom começo, era por assim dizer a regra básica geral. Depois, o visitante poderia incrementar um pouco enfatizando as qualidades profissionais ou habilidades pessoais do visitado, sempre tomando o cuidado de, ao fazer isso, deixar bem claro que as habilidades que este possuía, eram incomparáveis, superiores quando comparadas ao resto da humanidade.
Para o elogio ter o efeito desejado, o importante era salientar que as qualidades do elogiado eram únicas. Durante a conversa, deixar a impressão de que ficara impressionado com o conhecimento do visitado, e que aprendera muito naquele dia, mesmo que o assunto fosse dos mais banais e medíocres, era um dos mais cobiçados elogios indiretos, e por ser indireto, mexia profundamente com a auto-estima do anfitrião. Elogiar virtudes também tinha uma alta pontuação, mas havia um elogio que era imbatível, e este era elogiar os filhos daqueles a quem se desejava agradar
Pais sensatos, sensato do ponto de vista dos pais, só faltavam colocar os filhos em vitrines, de modo que todos os visitantes pudessem vê-los, e claro, elogiá-los. Ora de que adiantaria exibir os filhos em verdadeiros palcos montados só para isso, se não fossem os esperados elogios, tão desejados e aguardados, a ponto de fingirem para os presentes que havia uma grande harmonia e entendimento entre todos residentes da casa? A razão desse comportamento, ela por ser ainda jovem, não compreendia bem, mas já sabia que seus pais ficavam extasiados, realizados, como se a coisa de alguma forma fosse dirigida a eles próprios.
Lembrou da visita de outro casal, quando, sem que seus pais esperassem, foram logo dizendo: “Nossa, que menina linda”; e voltando-se para o marido, a mulher disparou sem piedade: “Ô Fulano, você não percebe claramente nela, todos os aspectos das crianças índigo?” Como se seus pais não compreendessem bem sobre o que ela falava, ela explicou-lhes: “Tais crianças, são consideradas os seres da nova era. São mais inteligentes, mais tudo; e dizem ainda que marcarão uma nova geração de homens e mulheres, e que será responsável pela criação de uma nova e superior raça, que habitará uma terra onde o ser justo é o padrão”. Ao que seu marido, com a cara mais dissimulada do mundo, se esgueirando para ouvir os detalhes de uma notícia na televisão, disse: “Sem dúvida, ela é um deles”. Aquilo foi demais; quase que seus pais não deixavam mais eles irem embora de tão envaidecidos que ficaram naquele dia.
E aquele casal foi assunto de vários dias, receberam muitos e grandes elogios, até que seus pais descobriram que eles haviam dito a mesma coisa, com a filha do vizinho. Mas agora era diferente, pois o visitante era um padre e uma freira, ambos pertencentes a uma ordem chamada de, os Vigários Justos, ao menos era o que diziam ser. Estavam em visita às casas daquela rua, apenas como uma forma de apresentarem o novo pároco da igreja local. Os dois eram na verdade, uma espécie de comitê de apresentação, que preparavam o terreno para a entrada triunfal do vigário de fato, que acabou chegando poucos minutos depois. Os quase quarenta graus que fazia à sombra, não era um argumento suficientemente capaz de fazê-los abrir mão das grossas batinas que vestiam, e de dentro da qual emergiam como verdadeiros seres especiais.
Ele olhou tudo em volta, e depois de ter a mão beijada pela sua mãe, sentou em posição de destaque, no pequeno círculo improvisado que se formara na sala. Lamentou-se do estado da paróquia o tempo todo, mas só conseguiu uma doação quando comentou: “Vejo que são um casal ímpar aqui no bairro. Não comentem com outros, mas não encontrei ninguém que se compare a vocês, em qualidade moral, justeza e bom senso; este fica sendo um segredo apenas nosso”. Embora isso já bastasse para conseguir com folga a doação que era o verdadeiro motivo de sua visita, num golpe de misericórdia, para assegurar de que não haveria dúvidas, quanto à doação é claro, ele se virou para ela e disse: “Essa garota é um ser abençoado, que conseguirá atingir todos os seus objetivos materiais e espirituais, nessa vida”. Pronto, aquilo foi demais, conseguiu mais do que esperava, apenas com o acréscimo desse providencial realce.
Não é preciso imaginar a cara dos seus pais, ao descobrirem, conversando com o vizinho, que o vigário repetira a mesma coisa também em sua casa. Ao que seu pai acrescentou inconsolável: “Eu sei que mentir é uma habilidade social, e todos precisam mentir para que haja compreensão; mas quando uma mentira é um elogio, a coisa deveria ser personalizada, é mais uma questão de respeito. Imagine se digo que seu filho é inteligente, e que é o melhor em matemática; ao dizer a mesma coisa sobre o filho de outro, posso até repetir que ele é igualmente inteligente, mas devo ter o cuidado de dizer que ele é o melhor em outra matéria; pelo menos isso. Um elogio deve ser único, ou não é elogio”. E o vizinho: “Concordo”.
Horrorizada com tanta dissimulação, ela prometeu a si mesma, nunca mais mentir, uma mentirinha sequer que fosse. Assim, já no dia seguinte, ao chegar à escola para mais um dia de aula, estava determinada a cumprir aquela resolução. E logo na entrada, ouviu sua professora comentar para a menina mais rica da classe: “Linda a sua bolsa nova...”. Ao que a menina lhe sorriu transbordando de contentamento, feliz por constatar que sua bolsa de grife havia sido notada. Mas ela não deixou de graça e retribuiu num sorriso: “Meu pai disse que a senhora é a melhor professora que já tive”. Pronto, ela estava com a possibilidade de revisão de todas as provas do semestre assegurada. Ela então percebeu o quanto seria difícil sua tarefa: viver num mundo de dissimulados e lutar contra todos. Será que valia a pena; será que conseguiria?
Achava aquela menina arrogante, dissimulada, com um verdadeiro rei na barriga, e por isso mesmo apenas eventualmente a cumprimentava; não pertencia ao seu grupo de interesses. Observara a tudo aquilo horrorizada, e se questionava como nunca fora capaz de ver, que apesar de tudo aquilo acontecer bem debaixo do seu queixo o tempo todo, só agora fora capaz de se dar conta. Então, como se a vida toda das pessoas fosse um calvário de testes permanentes, a garota metida, de sua cadeira lhe sorriu. Em seguida, baixou a cabeça e retirou de dentro de um pacote que estava sobre o colo, um pequeno embrulho. Levantou-se com ares de ser superior e se dirigiu a ela, e sem que ela fosse sequer capaz de compreender o que estava acontecendo, esticou o braço e disse: “Tome, me lembrei de você quando fui às compras ontem”. Era a lapiseira dourada que a fazia sonhar quando passava diante da vitrine onde estava à mostra.
O que fazer num momento como esse senão aceitar? Mas a garota metida foi mais longe, e lhe cochichou: “Nunca lhe disse pessoalmente, mas acho você a pessoa mais autêntica dessa sala, e também a mais inteligente”. Pronto, aquilo foi demais para que ela pudesse suportar em silêncio, precisava dizer alguma coisa, era até uma questão de bom senso, de educação por assim dizer. Então, embora não compreendesse porque dizia aquilo, já que a coisa toda mais parecia um reflexo mecânico incondicionado, algo como a reação de palmada à picada de um inseto, ela falou num sussurro: “Nossa, é a lapiseira que sempre desejei. Você é uma pessoa maravilhosa fulana. Também nunca lhe disse, mas admiro você demais, muito obrigada”.
Só então ela se deu conta do que acontecera, e talvez fosse hora de rever a resolução que tomara pela manhã. Não que a estivesse abandonando, mas talvez fosse o caso de não ser tão inflexível; talvez a coisa, com o tempo, aos poucos, fosse acontecendo naturalmente. Sorriu contente por concordar consigo mesma.

Num mundo de contradições, será que podemos ser diferentes?

sábado, 14 de maio de 2011

TOMA QUE O FILHO É TEU

TOMA QUE O FILHO É TEU
David Pontes


Liberdade é coisa de gente grande. Os pequenos querem mesmo é alguém por perto controlando, vigiando, agarrando-os para que não fujam, mostrando o que fazer e o que não fazer, enfim, querem os pais cuidando deles. Deixá-los livres e soltos pode ser de bom tom em muitas rodas, mas pega mal entre os principais interessados. Porque isso significa abandoná-los. Para crianças e adolescentes, o maior desejo é pertencer a um adulto capaz de amá-los, que os escolha deliberadamente para serem seus. Assim mesmo: querer ser propriedade de pais e mães.
Eles gritam que não, fazem bico e protestam como se fossem donos de seu destino. Faz parte. É por aí que vão crescendo, afinal. Mas é justamente para crescer que precisam se sentir protegidos, apoiados, fortemente amarrados a seu ônibus espacial, seguros para sondar o universo.
Soltá-los no espaço dá uma profunda sensação de leveza e... desespero. É bom, mas é pavoroso para quem ainda não tem como navegar sozinho. É mais ou menos assim que os pequenos se sentem quando os adultos resolvem, com charme moderninho, “dar uma educação aberta” a seus pimpolhos de fim de milênio. Por “educação aberta” entenda-se algo vagamente não-autoritário. Ou seja, é apenas uma negação das barbaridades que muitos ‘antigões’ faziam com suas crianças, oprimidas sob ordens draconianas que seguiam o vai-vem do humor de seus senhores. Faz sentido querer distância deste passado de chumbo, mas ser dono dos filhos não é ser arbitrário e opressor. Ao contrário, é assumir os deveres que os pais têm sobre as pessoinhas que decidem botar no mundo. Entre o desamparo do autoritarismo e o abandono liberal, há milhares de atitudes que fazem alguém crescer ativo, criativo e libertário. Atitudes absolutamente imprescindíveis.
Pai que é pai toma posse dos filhos, sem firulas filosóficas. Assume que vai dirigir suas vidas até o fim da adolescência, que vai permitir e negar coisas seguindo o critério da saúde, da educação, do aprendizado, do amadurecimento... Assume que vai escolher para eles o melhor-possível e que a molecada vai seguir suas determinações, inclusive aquelas eventualmente erradas. E nem precisa patinar no velho refrão do “só quero o melhor pra você...”, porque isso tem de ser o óbvio.
Tão ululante que nem é preciso dizer. Com ou sem medo de errar, é fundamental assumir a responsabilidade e ser honesto para mudar de atitude quando for preciso, para pedir desculpas aos pequenos e indicar, em seguida, uma nova postura. Mas nunca soltar o leme, nunca sair do comando, nunca deixá-los à deriva. Então cada um deles pode se sentir escolhido, laçado, carinhosamente aprisionado por quem ama e cuida, protege, estimula e incentiva.
Sem pertencer a seu pai e sua mãe-os dois-, sem experimentar e processar este amor de controle e posse fica difícil para um futuro adulto aprender a amar com pais, vai procurar se prender em alguém por aí afora. Um perigo. Pedir na rua o que não se ganhou em casa é se expor aos aproveitadores, às relações de uso e dependência, à sedução pura.
Mendigando afeto, os filhotes são presa fácil para a indústria das alucinações, para as amizades perigosas, para os namoros complicados e sofridos... Sem se sentir propriedade daqueles adultos que amam as crianças não podem se sentir amadas por eles, e isso é o mesmo que não tê-los. Quando não vêem nos atos e palavras dos grandes a força de sua ligação, os pequenos sentem estar perdendo seus pais. E esta imagem é avassaladora. Dela emerge o medo crônico da perda, como em tantas neuroses de angústia.
Cercá-los de limites e cuidados afetivos é o meio de mostrar esse sentimento inabalável e evitar que cresçam marcados com o pavor de perder o que gostam. É este pavor que está por trás daquelas manias esquisitas –e muito comuns- dos que agridem quem amam, que abandonam projetos quando eles começam a dar certo, que vivem se desvalorizando, num complicado mecanismo que rechaça os ganhos para reduzir ao mínimo o risco de perdas. São estragos assim que se armam na infância dos afetivamente abandonados. Papais e mamães “legais”, amiguinhos dos filhos, que liberam geral e suportam vê-los tristonhos e frustrados, simplesmente deixam de exercer sua função de pais e mães. É como deixar de existir como tal.
Decidir os passos mantê-los na rotina balanceada de regras, obrigações, diversões e brincadeiras, dizer sim e não sem justificativas e compensações, é assim que se é efetivamente papai e mamãe, sem frescura nem turbulência. E quando a filharada vier pentelhar com seus pedidos de explicações, com por-que-isso-por-que-aquilo, pode-se encher o peito e dizer com orgulho: “porque você é meu, carinha”, “porque a senhorita me pertence”. Depois, é só conferir nos olhos deles, lá no fundo daquela expressão de revolta, uma pontinha límpida de alívio e prazer –o prazer de serem amados como precisam ser amados enquanto constroem sua liberdade.


Nota: Recebi hoje este texto de uma garota de 14 anos.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

quinta-feira, 5 de maio de 2011

CONVIVÊNCIA

A fábula do porco-espinho


Durante a era glacial muitos animais morriam por causa... do frio. Os porcos-espinhos, percebendo a situação, resolveram se juntar em grupos, assim se agasalhavam e se protegiam mutuamente. Mas os espinhos de cada um feriam os companheiros mais próximos, justamente os que ofereciam mais calor. Por isso, decidiram se afastar uns dos outros e voltaram a morrer congelados. Então precisavam fazer uma escolha: ou desapareceriam da Terra ou aceitavam os espinhos dos companheiros. Com sabedoria, decidiram voltar a ficar juntos. Aprenderam, assim, a conviver com as pequenas feridas que a relação com uma pessoa muito próxima poderia causar, já que o mais importante era o calor do outro. E assim sobreviveram...
(Autor desconhecido)
Moral: O melhor relacionamento não é aquele que une pessoas perfeitas, mas aquele onde cada um aprende a conviver com os defeitos do outro e consegue admirar suas qualidades.