"Aqueles que passam por nós,não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si,levam um pouco de nós".

"Antoine de Saint-Exupery"



sábado, 14 de maio de 2011

TOMA QUE O FILHO É TEU

TOMA QUE O FILHO É TEU
David Pontes


Liberdade é coisa de gente grande. Os pequenos querem mesmo é alguém por perto controlando, vigiando, agarrando-os para que não fujam, mostrando o que fazer e o que não fazer, enfim, querem os pais cuidando deles. Deixá-los livres e soltos pode ser de bom tom em muitas rodas, mas pega mal entre os principais interessados. Porque isso significa abandoná-los. Para crianças e adolescentes, o maior desejo é pertencer a um adulto capaz de amá-los, que os escolha deliberadamente para serem seus. Assim mesmo: querer ser propriedade de pais e mães.
Eles gritam que não, fazem bico e protestam como se fossem donos de seu destino. Faz parte. É por aí que vão crescendo, afinal. Mas é justamente para crescer que precisam se sentir protegidos, apoiados, fortemente amarrados a seu ônibus espacial, seguros para sondar o universo.
Soltá-los no espaço dá uma profunda sensação de leveza e... desespero. É bom, mas é pavoroso para quem ainda não tem como navegar sozinho. É mais ou menos assim que os pequenos se sentem quando os adultos resolvem, com charme moderninho, “dar uma educação aberta” a seus pimpolhos de fim de milênio. Por “educação aberta” entenda-se algo vagamente não-autoritário. Ou seja, é apenas uma negação das barbaridades que muitos ‘antigões’ faziam com suas crianças, oprimidas sob ordens draconianas que seguiam o vai-vem do humor de seus senhores. Faz sentido querer distância deste passado de chumbo, mas ser dono dos filhos não é ser arbitrário e opressor. Ao contrário, é assumir os deveres que os pais têm sobre as pessoinhas que decidem botar no mundo. Entre o desamparo do autoritarismo e o abandono liberal, há milhares de atitudes que fazem alguém crescer ativo, criativo e libertário. Atitudes absolutamente imprescindíveis.
Pai que é pai toma posse dos filhos, sem firulas filosóficas. Assume que vai dirigir suas vidas até o fim da adolescência, que vai permitir e negar coisas seguindo o critério da saúde, da educação, do aprendizado, do amadurecimento... Assume que vai escolher para eles o melhor-possível e que a molecada vai seguir suas determinações, inclusive aquelas eventualmente erradas. E nem precisa patinar no velho refrão do “só quero o melhor pra você...”, porque isso tem de ser o óbvio.
Tão ululante que nem é preciso dizer. Com ou sem medo de errar, é fundamental assumir a responsabilidade e ser honesto para mudar de atitude quando for preciso, para pedir desculpas aos pequenos e indicar, em seguida, uma nova postura. Mas nunca soltar o leme, nunca sair do comando, nunca deixá-los à deriva. Então cada um deles pode se sentir escolhido, laçado, carinhosamente aprisionado por quem ama e cuida, protege, estimula e incentiva.
Sem pertencer a seu pai e sua mãe-os dois-, sem experimentar e processar este amor de controle e posse fica difícil para um futuro adulto aprender a amar com pais, vai procurar se prender em alguém por aí afora. Um perigo. Pedir na rua o que não se ganhou em casa é se expor aos aproveitadores, às relações de uso e dependência, à sedução pura.
Mendigando afeto, os filhotes são presa fácil para a indústria das alucinações, para as amizades perigosas, para os namoros complicados e sofridos... Sem se sentir propriedade daqueles adultos que amam as crianças não podem se sentir amadas por eles, e isso é o mesmo que não tê-los. Quando não vêem nos atos e palavras dos grandes a força de sua ligação, os pequenos sentem estar perdendo seus pais. E esta imagem é avassaladora. Dela emerge o medo crônico da perda, como em tantas neuroses de angústia.
Cercá-los de limites e cuidados afetivos é o meio de mostrar esse sentimento inabalável e evitar que cresçam marcados com o pavor de perder o que gostam. É este pavor que está por trás daquelas manias esquisitas –e muito comuns- dos que agridem quem amam, que abandonam projetos quando eles começam a dar certo, que vivem se desvalorizando, num complicado mecanismo que rechaça os ganhos para reduzir ao mínimo o risco de perdas. São estragos assim que se armam na infância dos afetivamente abandonados. Papais e mamães “legais”, amiguinhos dos filhos, que liberam geral e suportam vê-los tristonhos e frustrados, simplesmente deixam de exercer sua função de pais e mães. É como deixar de existir como tal.
Decidir os passos mantê-los na rotina balanceada de regras, obrigações, diversões e brincadeiras, dizer sim e não sem justificativas e compensações, é assim que se é efetivamente papai e mamãe, sem frescura nem turbulência. E quando a filharada vier pentelhar com seus pedidos de explicações, com por-que-isso-por-que-aquilo, pode-se encher o peito e dizer com orgulho: “porque você é meu, carinha”, “porque a senhorita me pertence”. Depois, é só conferir nos olhos deles, lá no fundo daquela expressão de revolta, uma pontinha límpida de alívio e prazer –o prazer de serem amados como precisam ser amados enquanto constroem sua liberdade.


Nota: Recebi hoje este texto de uma garota de 14 anos.

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